quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

COMPLEMENTO

Complemento ao artigo abaixo: A iniciativa popular da “persecutio criminis”, em consonância com o modelo democrático de governo também é admitida especificamente pelo artigo 5º, § 3º, do Código de Processo Penal, enquadrando-se na regra geral do artigo 14, inciso III, da Constituição da República (direitos políticos). 10/12/2025. 

domingo, 7 de dezembro de 2025

IMPEACHMENT

Em trâmites no Supremo Tribunal Federal (STF), ação judicial de arguição de descumprimento de preceito fundamental. O polo ativo da relação processual ocupado pelo partido político Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros. O polo passivo ocupado pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional. Questionam normas da Constituição da República versus normas da Lei do Impeachment (1.079/50) e do Código de Processo Penal. A relatoria coube ao ministro Gilmar Mendes. O pedido de concessão liminar da pretensão deduzida na petição inicial do processo principal foi deferido parcialmente em 03/12/2025. 
O relator deu interpretação conforme à Constituição aos artigos 41, 47 e 54, da Lei do Impeachment e [I] suspendeu: (i) a expressão “a todo cidadão” relativa à legitimidade para propositura de denúncia contra magistrados por crimes de responsabilidade (ii) o termo “simples” relativo ao quórum para formação do juízo de admissibilidade da denúncia [II] atribuiu ao Procurador-Geral da República (PGR) a exclusiva legitimidade para denunciar magistrados na hipótese de crime de responsabilidade [III] fixou em 2/3 o quórum necessário para o Senado Federal admitir o processamento da denúncia [IV] equiparou esse quórum inicial  ao quórum necessário à condenação do acusado na sentença final. 
Aos juízes do STF, em sessão plenária, compete aprovar ou desaprovar, total ou parcialmente, a decisão do relator. Se houver empate na votação, os trâmites do processo ficarão suspensos até que seja preenchida a vaga aberta pela saída do ministro Barroso.
Decisão monocrática em tribunal judiciário no bojo de processo judicial pode ser qualificada de aberração lógica e jurídica. O fato de ser permitida por lei e/ou por regimento interno não a torna menos aberrante. Esse tipo de decisão é próprio do juízo de direito singular (cível, criminal, trabalhista, eleitoral). Decisão de tribunal judiciário no âmbito de processo judicial tem que ser colegiada. Esta é a razão de existir tribunal judiciário, enraizada no direito do jurisdicionado ao exame da causa por três ou mais juízes, em conjunto, trazendo maior segurança jurídica. 
O número ímpar na composição do tribunal é necessário ao Voto de Minerva (critério de desempate). A experiência forense mostra que os requisitos de faixa etária, notável saber jurídico e reputação ilibada exigidos dos juízes da suprema corte não garantem, por si sós, nos casos concretos, julgamentos justos, isentos de idiossincrasias e de indevidos favorecimentos. O magistrado deverá ser processado e julgado no devido processo jurídico se a sua conduta tipificar crime comum ou crime de responsabilidade. Incide a regra da isonomia: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". 
A decisão ora em comento sintoniza-se com o sistema jurídico. Na forma da lei, o STF foi provocado para solucionar o caso exposto. A decisão do relator está sub judice. Em sessão plenária, o STF decidirá o caso em definitivo. Provavelmente, será considerado o fato de a Lei do Impeachment de 1950 ter sido alterada pela lei 10.028 de 2000, quando a Constituição de 1988 já vigorava. O legislador do ano 2000 reconheceu a vigência da lei do ano 1950 e sua compatibilidade com a Constituição do ano 1988. Se assim não fosse, ao invés de modificar a lei, o legislador a teria excluído da ordem jurídica. Apesar de idosa, a lei não caducou. 
Nota-se na decisão do relator: (i) primeiro, a negativa de recepção da lei pela Constituição (ii) depois, o tratamento dado à lei como se recepcionada. Não há sentido emendar lei inconstitucional (não recepcionada). Cabe substituição por nova lei. Essa tarefa compete ao legislador e não ao juiz, consoante princípio da separação dos poderes. A decisão do relatdor considerou incompatíveis com a Constituição apenas alguns dispositivos da lei. Detectou inconstitucionalidade parcial. 
Destarte, a Lei do Impeachment ainda vigora afinadíssima com a Constituição de 1988. Ao atribuir legitimidade ativa a todo cidadão da república (eleitor/eleitora) para oferecer denúncia contra juiz do STF, a lei de 1950, emendada em 2000, harmoniza-se com princípios fundamentais da república democrática brasileira: cidadania, soberania popular, direito de petição
A proposta contida na decisão do relator de substituir todo cidadão da república (eleitor/eleitora) por um servidor do estado (PGR) ajusta-se ao modelo autocrático, porém, não se ajusta ao modelo democrático de governo. Por isto mesmo, o legislador constituinte de 1987/1988 retirou do PGR a exclusividade de arguir a inconstitucionalidade das leis. Tendo em vista o sistema jurídico constitucional em vigor no Brasil, o PGR não pode substituir o cidadão no oferecimento da petição inicial de impeachment contra juízes da suprema corte acusados da prática de crimes de responsabilidade. Tal iniciativa nem está incluída nas funções institucionais do Ministério Público. A proposta do relator atende aos interesses corporativos da magistratura, porém, colide com o republicano interesse nacional de garantir a expressão escrita do entendimento e da vontade do cidadão (eleitor/eleitora) nessa delicada matéria. 
Compete ao cidadão (eleitor/eleitora) protocolar a petição inicial (denúncia) – não na Procuradoria-Geral da República – e sim na secretaria do Senado Federal. O presidente do Senado organiza a comissão especial de senadores que examinará a petição inicial (denúncia). Após os procedimentos legais e regimentais, a comissão emitirá parecer sobre: (i) materialidade e autoria de crime de responsabilidade (ii) oportunidade e conveniência de instaurar ou de não instaurar processo de impeachment. O parecer será submetido à apreciação dos senadores em sessão plenária. A aprovação dependerá do voto da maioria simples. Se faltar esse quórum, a petição inicial (denúncia) será arquivada. A modificação desse quórum é da privativa competência do Senado Federal. O legislador constituinte adotou o quórum qualificado (2/3) exclusivamente para a sentença condenatória prolatada quando, depois de instaurado e instruído, o processo chegar ao fim. Se o condenado sustentar a inexistência do crime, poderá recorrer ao STF, guardião da Constituição, máxima instância nacional, para que no caso concreto, sob o ângulo estritamente jurídico, o tribunal declare se os atos e fatos debatidos no processo de impeachment tipificam ou não tipificam crimes.  

Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Artigos: 1º, caput, incisos I, II e parágrafo único + 2º + 5º, caput, incisos XXXIV, letra a, LIV + 14, inciso III + 52, incisos II, XII, XIII e parágrafo único + 103 + 129, incisos I a IV.
Lei do Impeachment (1.079 de 1950). Artigos: 39, 39-A; 41, 41-A; + 44 a 57 + 58 a 73.   

domingo, 30 de novembro de 2025

DESVARIO

Amâncio – O quê sou eu?
Fabrício – Como assim? O quê sou eu! Você é você, pessoa de carne e osso tal como eu, ora bolas!  
A – Tudo bem, mas, quem sou eu?
F – Você é meu amigo, casado com a bela Marisa, nossa colega dos tempos de colégio, pai da Maristela e do Marcos, mora em casa própria, num bairro calmo e arborizado da cidade, dirige o seu automóvel e faz caminhadas e escaladas.  
A – Tudo bem, mas, o quê sou eu?
F - Caramba! Vá lá! Você é um organismo biológico humano, sexo masculino, nascido neste país, alto, robusto, esbanjando saúde, bem humorado, bonito aos olhos da Marisa, inteligente, engenheiro, sócio de empresa construtora, contribuinte do fisco municipal, estadual e federal. 
A – Tudo bem, mas, quem sou eu?
F – Arre! Você é uma alma penada que abusa da minha paciência ao repetir, de modo enfadonho, a mesma pergunta, insatisfeito com as minhas respostas. Você é masoquista torcedor de clube de futebol que jamais foi campeão. 
A – Chateado com meu questionamento, você apelou pra ignorância. Referiu-se ao time do meu coração, do qual não me envergonho, embora sabendo muito bem que eu também sou torcedor do Real Madrid, clube espanhol campeoníssimo. Ademais, sempre pensei que eu era um corpo com cabeça, tronco e membros, que respira, bebe, come, anda, trabalha, transa e dorme. Agora você diz que eu sou alma penada.
F – Amâncio, estimado amigo, reconheça: o teu questionamento aborrece. Falei alma penada porque você, eu e todos os humanos não vivemos só de prazeres e alegrias, mas também de privações, sofrimentos e tristezas. Na minha opinião, ora solicitada com insistência, você não é um corpo. Você tem um corpo habitado por uma alma personalizada.
A – Os animais irracionais também têm corpos. A valer tua opinião, eles também são almas viventes personalizadas.
F – Essa é a opinião de muita gente, porém, minha não é. Os irracionais não são pessoas e sim apenas seres vivos do reino animal. Os humanos também são seres vivos do reino animal submetidos às leis da natureza. Entretanto, gozam de autonomia de vontade para contrariá-las. Só não podem revogá-las. Sacrificam a natural sensualidade sob pressão de dogmas religiosos, de preconceitos sociais e de ficções jurídicas. Na concepção científica de Aristóteles, você, eu e todos os humanos somos animais portadores da capacidade específica de raciocinar e de ter consciência de si mesmos. Somos gregários por natureza e eremitas por decisão pessoal. Organizamo-nos em comunidades e sociedades. Criamos leis que nos conferem personalidade civil. Preservamos a ordem quando conservadores. Promovemos a desordem quando liberais. Primamos pela obediência. Praticamos a desobediência. Seguimos a razão. Sucumbimos ao sentimento dela excludente.
A – Fabrício, meu estimado amigo, retribuo o afetuoso tratamento. Você passou da existência para a essência nesta análise do eu exterior e do eu interior da minha pessoa. Ajudou-me na trilha do “conhece-te a ti mesmo”, aberta por Hipócrates, inscrita no frontispício do templo de Delfos e adotada por Sócrates na sua filosofia. Você considerou a alma principal e o corpo acidental. Discordo dessa colocação. Eu não tenho corpo. Eu sou um corpo enquanto viver neste mundo. O meu corpo ramifica-se em físico e mental. Tenho dúvida sobre a fonte do mental, se cerebrina ou se anímica. “Cogito ergo sum” afirmou Descartes. “Penso, logo existo”. Esse pensar é função do cérebro ou da alma? Esta pergunta só terá sentido se acreditarmos na existência autônoma da alma como substância autoconsciente, imaterial, invisível, de origem divina ou sobrenatural. Eu não creio nesse trato metafísico. Inclino-me a acreditar na alma como energia fundamental do universo, independentemente da questão sobre a existência ou inexistência de deus. Alma como força motriz de todos os seres vivos e geratriz dos pensamentos e sentimentos humanos. 
F – Sinto muito, meu caro Amâncio, mas não estou apto a te ajudar na busca do conhecimento desse aspecto subjetivo da tua personalidade. Trata-se do minado campo de crenças cultivado pela humanidade no curso da história. Atrevo-me a dizer apenas que os teus pensamentos, os teus sentimentos, os teus propósitos e ações, têm muito a ver com a tua experiência de vida, desde a tua infância até a idade presente. A psicanálise deu um cunho científico ao exame desse campo anímico da vida humana e contribuiu para as pessoas conhecerem melhor a si mesmas. Quanto mais descobertas a ciência fizer sobre a mecânica do psiquismo humano, maiores serão as chances de refinamento das relações humanas na sociedade e no estado. O sistema educacional se aperfeiçoará. O sentimento afetuoso, amigável, solidário, ampliar-se-á. Os instintos selvagens ficarão sob controle. Conflitos serão menos frequentes.  
A – A conversa está boa, cerveja gelada, salgadinho bem preparado e temperado pelo Tonico, neste bar pequeno, limpo e providencial, próximo à cancha. Está na hora de pegar o rumo de casa, tomar banho e almoçar com a mulher e os filhos. Até sábado. Abraço. 
F – Até sábado. Você esqueceu de mencionar o cálix e a oferenda ao orixá que antecedem o primeiro copo. Eu vou ficar aqui um pouco mais. A nossa turma do futebol sabático está menos numerosa do que há 10 anos atrás. Vida que flui. Abraço. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

FUTEBOL

Londres. 15.11.2025. Jogo amistoso. Seleção ítalo-brasileira de futebol masculino x seleção senegalesa. Primeiro tempo: vitória da ítalo-brasileira (2 x 0). Segundo tempo: empate sem gol (0 x 0). Resultado final: vitória da ítalo-brasileira (2 x 0). O desempenho da senegalesa no primeiro tempo foi razoável; no segundo tempo, melhorou. O desempenho da ítalo-brasileira foi muito bom no primeiro tempo e razoável no segundo. A seleção do Senegal, em jogo anterior, vencera a do Brasil (4 x 2). Agora, perdeu. Questionamento: Nesse interregno, foi a seleção do Senegal que piorou ou foi a seleção do Brasil que melhorou? Ou nada mudou?
Lille (França). 18.11.2025. Jogo amistoso. Seleção ítalo-brasileira de futebol masculino x seleção tunisiana. Primeiro tempo: empate pelo placar mínimo (1 x 1). Segundo tempo: empate sem gol (0 x 0). Resultado final: empate (1 x 1). Nos dois tempos da partida, a seleção ítalo-brasileira foi menos defensiva e mais ofensiva enquanto a tunisiana foi mais defensiva e menos ofensiva. Apesar disto, o gol da tunisiana foi através de passes (bola rolando) e o gol da ítalo-brasileira foi de cobrança de pênalti (bola parada). No segundo tempo, a seleção ítalo-brasileira desperdiçou a cobrança de outro pênalti. Além disto, ficou a dever gol resultante de táticas, de dribles e de passes. Por pouco, o árbitro não assinalou um terceiro pênalti. 
Os jogos amistosos foram ótimos como testes preparatórios para a copa mundial de seleções nacionais de 2026 a ser realizada na América do Norte (Canadá, Estados Unidos e México). Para o primeiro trimestre de 2026 estão previstos mais 2 jogos amistosos da seleção ítalo-brasileira. Depois de encerrada a fase dos testes, haverá nova e última convocação de jogadores para compor o elenco definitivo que disputará os jogos oficiais.
Meses atrás, o treinador italiano da seleção ítalo-brasileira de futebol masculino (comissão técnica composta de italianos), solicitou aos jogadores convocados que praticassem o “futebol brasileiro”. Certamente, estava a dizer para que eles fossem autênticos e não imitassem o “futebol europeu”. No contexto em que foi usada, aquela expressão reveste conotação saudosista. Provavelmente, o treinador estava se referindo ao futebol jogado pelas seleções brasileiras em 1938 e de 1950 a 1970, que encantou europeus e americanos por sua inteligência lúdica, eficiência técnica e beleza plástica. Desse futebol, o pai do treinador/jogador europeu Pepe Guardiola era admirador. Talvez, o pai do treinador/jogador europeu Carlo Ancelotti também tenha sido admirador daquele futebol. Os filhos herdaram dos pais essa admiração e esse respeito pelo “futebol brasileiro”.
As seleções brasileiras de 1994 a 2002 exibiram um reflexo daquele “futebol brasileiro”. De lá para cá, só restou saudade. Entretanto, isto não significa o “canto do cisne” do futebol brasileiro. Basta não se fixar no passado. Convém tomar consciência do presente e nutrir esperança para o futuro bem próximo. Os jogadores brasileiros selecionados neste século XXI exibem futebol de alta qualidade e nada ficam a dever aos jogadores estrangeiros. Outros são: (i) os tempos, hábitos, costumes e relacionamentos (ii) os recursos materiais, financeiros, tecnológicos, médicos e psicológicos. Dessa nova realidade comungam africanos, americanos, asiáticos e europeus. 
Tanto quanto as mais tradicionais seleções nacionais da América e da Europa, a atual seleção ítalo-brasileira tem potencial para conquistar a cobiçada copa mundial.

domingo, 9 de novembro de 2025

PALRICE

Certo dia, minha avó materna, dona de casa desde que casou até o fim da sua vida, estava na cozinha preparando o diário e parco jantar. O marido, a filha e o genro palreavam na pequena sala. Quando o assunto enveredou para a beleza feminina que atrai os homens, a minha avó, em tom zangado, a todos lembrando  a superior utilidade da dona de casa, arrematou: 
- Beleza não se põe na mesa.
Meu avô materno, sempre tranquilo, na sua cadeira de embalo, fumando o seu cigarro de palha (fumo picado enrolado na folha de palha), aposentado da Rede Ferroviária Paraná-Santa Catarina, onde era chefe de trem, contesta: 
- É, mas se põe na cama.
Minha avó replicou:
- Velho sem vergonha!
Meu avô ria sacudindo a pança, gordo e bem alimentado pela minha avó que passava a maior parte do dia na cozinha. O almoço e o café da tarde eram os momentos mais importantes do dia. À noite, ouvir rádio. Depois, dormir. Para eles, ser gordo era sinal da boa saúde do homem forte. Minha avó não era gorda e nem magra. Teve 5 filhos: 2 meninos e 3 meninas. Meu avô teve 6 filhos: os 5 do casamento e 1 menino fora do casamento. Lar modesto. Família unida. Divisão do trabalho doméstico entre minha avó e minhas tias enquanto solteiras.

Recorte da lenda. A formiga e o elefante trilhando sentidos opostos no mesmo caminho se encontram frente a frente. A formiga diz para o elefante:
- As coisas não são bem assim!
O elefante estufa o peito e responde:
- As coisas são bem assim, sim.
Enquanto falava, ele pousava a sua pata dianteira sobre as costas da formiga. 
Assim, também, tem sido no reino dos animais racionais. O argumento do mais fraco não prevalece contra o mais forte. 
No reino das trevas, a luz não penetra. Bom senso e fanatismo são inconciliáveis. Razão e paixão se repelem.

domingo, 2 de novembro de 2025

POLÍCIA x BANDIDO

No início desta semana (28/10/2025) a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro realizou operação policial em duas comunidades da capital causando impacto na população brasileira pelo número elevado de mortos, vazão do instinto tanatológico dos planejadores e executores. A gravidade do ocorrido justifica intervenção federal nos termos do inciso III do artigo 34 da Constituição da República.
O dever do estado de zelar pela segurança pública inclui combate à criminalidade. Essa tarefa é executada pelo aparelho policial do estado federado sob o comando do governador, conforme artigos 184 e 189 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. 
Da independência, em 1822, até a proclamação da república, em 1889, o Brasil foi um estado unitário. Poder político centralizado na pessoa do Imperador. Antes, o poder político centralizava-se na pessoa do Rei de Portugal. A centralização marcou profundamento a alma dos brasileiros. Apesar do modelo federativo decorrente do golpe republicano, a consciência do povo ficou mais ligada à Constituição Federal e ao poder central emanado da União Federal, do que à Constituição Estadual e ao poder emanado do governo do estado federado. 
O estado unitário e a centralização do poder político continuam colados na alma do povo. Isto explica o motivo pelo qual a massa popular atribui ao governo federal, a responsabilidade pela segurança pública genérica, embora tal responsabilidade seja do governo estadual, conforme o disposto no artigo 144, §§ 4º a 6º, da Constituição da República e nos artigos 184 e 189 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. 
Neste passo, oportuno lembrar que a federação brasileira é artificial. O movimento republicano imitou a forma federativa norte-americana sem lhe captar o espírito. Ao contrário do país setentrional, não havia no Brasil estados soberanos para se unirem em federação. Havia províncias do soberano estado monárquico e unitário que foram transformadas em estados federados por decreto do marechal comandante do movimento republicano. Aos estados assim criados foi outorgada autonomia. A soberania ficou reservada ao estado federal. Tudo à revelia do povo. Tudo sob geral pasmaceira.
No Rio de Janeiro, há precedentes da operação policial em tela. A novidade está na quantidade de soldados combatentes, o que importa em gastos excepcionais com a logística. Isto exige auditoria feita de preferência pela Polícia Federal, a fim de verificar se o dinheiro foi aplicado corretamente e se a sua origem é legal e legítima. 
O sistema de segurança pública previsto na Constituição da República e na Constituição do Estado do Rio de Janeiro existe para garantir a paz, a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Quando a repressão policial é excessiva, a imprensa noticia, às vezes de modo sensacionalista e tendencioso, e as autoridades investigam a fim de apurar a responsabilidade de quem se excedeu. Se houver indícios de a operação ter sido motivada por interesses privados e/ou eleitoreiros, o governador do estado e o comandante da polícia militar ficam sujeitos a investigação criminal.
Diante da mortandade provocada pela polícia militar, governadores de alguns estados vieram apoiar o governador do Estado do Rio de Janeiro. Revelaram-se adeptos da política de extermínio. Em seus estados, a mortandade aumentou. A pública confissão dos governadores coloca-os na posição de mandantes de operações policiais exterminadoras, nivelando-os aos chefes de organizações criminosas. Quanto ao Rio de Janeiro, impõe-se a instauração de inquérito pela Polícia Federal com o precípuo objetivo de apurar se a operação policial foi deflagrada para favorecer uma das facções criminosas em detrimento de outra rival na luta por território. Não custa lembrar: nesse comércio circulam bilhões de reais.  
Bandido bom é bandido morto. Policial civil do antigo Estado da Guanabara cunhou esta frase que repercutiu nacionalmente. O significado encaixa-se no modo de pensar e de sentir de parte da população brasileira e da corporação policial. Outrora, extra-oficialmente, para burlar barreiras levantadas pelo direito positivo e pelos juízes, policiais organizavam esquadrões da morte para caçar bandidos não só no intuito de matar como, também, no de extorquir. Do contexto social e político em que aquela frase foi proferida e divulgada, verifica-se que o alvo era o criminoso violento, que ordinariamente atemoriza a sociedade, causa insegurança às pessoas e à nação. Mata, lesiona, rouba, trafica. Contudo, a parcela democrata e humanista do povo brasileiro repudia a "solução final" preconizada pelo nazifascismo que permeia a sociedade civil e o estado. 
E da favela/ que era minha e que era dela/ só ficou muita saudade/ porque o resto ela levou. Visão romântica do poeta na primeira metade do século XX, mostrada ao público através do rádio, na voz bem postada do cantor, substituída no século XXI, pela sonoridade dos tiros de fuzil e de metralhadora e pelos lamentos e lágrimas das mães que perderam os seus filhos na desigual e desnecessária batalha. Daquela favela do poeta, só a saudade restou.

domingo, 26 de outubro de 2025

DEMOCRACIA SUICIDA

Sem os elementos da natureza humana como instinto, vontade, sentimento, simbologia, racionalidade, trabalho, valores, sonhos, não haveria comunidade e sociedade. Ideias vulgares, tecnológicas, artísticas, científicas e filosóficas, crenças religiosas e místicas, princípios morais e jurídicos, obras materiais e intelectuais, convenções gerais, moldam a civilização. Como seres vivos sujeitos ao determinismo da natureza, os humanos perfazem ciclos da vida desde o nascimento até a morte. As instituições humanas também perfazem ciclos. Não são eternas. Extinguem-se na fluência do tempo. Algumas, estáveis e de longa duração, transformam-se. Entre as instituições vigentes encontram-se o estado, os sistemas políticos, os partidos políticos. Neste campo, as paixões humanas têm larga escala. A lógica binária satisfaz ao intelecto, porém, cede a sua pureza ante as paixões humanas e a flexibilidade da vida política.
No mundo ocidental moderno, a paixão monocrática, a paixão aristocrática, a paixão democrática, as tendências ao despotismo, ao elitismo, ao populismo, são perceptíveis: (i) à direita e à esquerda do espectro político (ii) nos partidos políticos (iii) nos órgãos do estado. O poder político é objeto de desejo, alvo da inveja e motivo de disputa. O discurso político dirigido ao público raramente expressa a ideia raiz e verdadeira. Forma atraente, matéria mistificadora. O real intento repousa no interior da mente do autor. A presença do interesse privado e a ausência do interesse público são frequentes nas ações e omissões dos governantes (legisladores, chefes de governo, juízes).
A imprensa, lato sensu, não se descuida dos seus interesses comerciais e da sua sustentação econômica quando entra no jogo político. Mostra-se mendaz ou veraz, segundo as circunstâncias. Neste século XXI, a parcialidade e a mendacidade da imprensa são exibidas de modo claro e desafiador. O jornalismo perdeu a vergonha e o senso moral. Relevante, neste particular, aqui no Brasil, a condenação de 7 réus na sessão de julgamento de 21/10/2025, no Supremo Tribunal Federal (STF). 
Trata-se da tentativa de golpe de estado praticada por ex-presidente da república e comparsas. Os juízes da 1ª Turma do STF reconheceram: (i) a mentira como causa eficiente de delito, mormente se difundida através dos meios de comunicação social (ii) nexo causal entre mentiras e efeitos danosos (iii) que mentiras ofendem bens tutelados por normas penais. A decisão majoritária (4 x 1) harmoniza-se com a jurisprudência do tribunal sobre o exercício abusivo da liberdade de expressão. A mentira pode causar – como de fato tem causado – danos às vítimas (suicídio, distúrbio mental, conflitos, separações). Destarte, além de imoral, a mentira pode ser criminosa. O voto divergente absolveu os réus como se os fatos narrados na denúncia não tipificassem crimes. O ministro sequer cogitou de nova definição jurídica dos fatos, como permite o artigo 384 do Código de Processo Penal. 
A parcela democrata do povo brasileiro (maioria do corpo eleitoral, por enquanto) necessita acautelar-se contra a metástase nazifascista que se espalha pelo organismo estatal e pela sociedade civil. A situação atual lembra a europeia de 1938/1939, quando o governo da Inglaterra menosprezou o perigo da expansão nazista. Hoje, o governo brasileiro menospreza o perigo da expansão nazifascista. Acomoda-se em berço esplêndido na doce ilusão da paz e do amor. Ao presidente brasileiro parece faltar o que sobra no presidente venezuelano: tutano e colhão.
No momento, o presidente brasileiro pensa na reeleição. Entretanto, há o risco de se repetir o episódio da presidente Rousseff. O fato de ter sido reeleita no devido processo legal e de não ter praticado crime algum, não impediu a sua deposição mediante golpe de estado em 2016. Forças nazifascistas integradas por políticos profissionais, por empresa emissora de rádio e televisão e por jornalistas amestrados, instigaram a população e executaram o golpe. Repetição civil do golpe militar de 1964. Excluíram do pleito eleitoral o candidato à presidência da república que gozava da simpatia da parcela democrata do povo. Utilizaram processo criminal fraudulento para prendê-lo. Elegeram o líder nazifascista em 2018. Pretenderam mantê-lo na presidência em 2022. Tentaram golpe de estado. Fracassaram por falta de adesão do Exército e da Aeronáutica. A parcela democrata do povo brasileiro sagrou-se vencedora.
Notável a vocação da democracia brasileira para o suicídio político. Sob equivocada concepção de democracia, o Legislativo e o Executivo induzem-na ao suicídio quando se omitem diante da ampla liberdade de ação dos partidários do nazifascismo. O legislador constituinte brasileiro de 1987/1988, escaldado pela ditadura nazifascista de 1964/1985, vedou a criação de partido político que não resguarde a soberania nacional e o regime democrático. Assegurou o pluripartidarismo, porém, dentro dessas duas coordenadas. Apesar da proibição, aí está o Partido Liberal de inequívoco caráter nazifascista, visceralmente antidemocrático, atuando contra o estado democrático de direito e prestando continência à bandeira dos Estados Unidos. Por inércia, a norma constitucional resta sem eficácia. 

Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos: 17 caput e inciso II + 221, IV.
A Condição de Homem. Lewis Mumford. Trad. Miranda Reis. Rio/SP. Editora Globo. 2ª Edição. 1956. P. 9/21.
A Filosofia Moral. Jacques Maritain. Trad. Amoroso Lima. Rio. Agir Editora. 1973. P. 490/495.
La Democracia En América. Alexis de Tocqueville. Trad. Negro Pavon. Madrid. Aguilar Ediciones. 1971. P. 96/101.